Em Cena *01: Fogo Contra Fogo (Heat) — Dois homens em conflito, reflexos distorcidos em tons azuis.

“Em Cena” é uma série de textos que estou estreando agora, serão textos breves em que me darei ao trabalho de esmiuçar detalhadamente uma única cena, (ou algumas cenas hahaha, mas tentarei me ater ao minimalismo).
Para esse primeiro texto dessa minha nova série de textos, vamos tratar de uma cena incrível presente no filme Fogo Contra fogo (Heat)de 1995. Uma obra prima Neo-Noir dirigida por Michael Mann, estrelando grandes nomes como: Robert Deniro, Al Pacino e Val Kilmer. Essa cena em questão, se inicia no trecho de 1 hora e 11 minutos, ela é sem dúvidas a cena mais importante do filme, mostrando de maneira primorosa a dualidade dos dois personagens principais. Então bora lá… AH, E LEMBRANDO: SPOILERs!! Pois isso aqui é uma análise de cena. Quem tiver interesse em assistir, o filme está disponível no Amazon Prime Vídeo.


O agente da LAPD Vincent Hanna (Al Pacino) se encontra em um contêiner de carga situado no estacionamento de um depósito de metais preciosos, rastreando as ações do grande ladrão Neil McCauley (Robert DeNiro) e seus comparsas enquanto desarmam o sistema de alarme do prédio por meio de um monitor de visão térmica. Um membro da equipe de Hanna (Al Pacino) acidentalmente bate na parede do veículo com a lateral de sua arma, causando um leve baque que pode ser ouvido de fora. A suspeita de McCauley é levantada. Ele congela no lugar e intuitivamente olha para as lentes da câmera de vigilância. Hanna e McCauley se encaram por um longo período, marcando a primeira vez que compartilham o mesmo espaço visual no filme. Mann alterna entre uma cena única centralizada de McCauley, posicionada frontalmente, esforçando-se para determinar se ele está sendo observado, e um close-up de Hanna, esforçando-se para concluir se McCauley o está observando ou não. Este momento revela o senso paradoxal de intimidade e distância que une esses dois homens. Mann enquadra e edita a sequência como se os dois homens estivessem em um diálogo íntimo (daquele tipo de diálogo profundo que fazemos com o olhar), mas eles estão fisicamente separados e incapazes de descobrir se seu olhar está sendo correspondido. ”Fogo Contra Fogo” é estruturado como um estudo de personagem, mas aqui, duplo, dedicando peso narrativo igual às experiências de Hanna e McCauley enquanto eles circulam, evitam e rastreiam um ao outro. Gradualmente, fica claro que esses homens dos lados opostos da lei não são opostos, mas imagens espelhadas um do outro: ambos são movidos por uma ética orientadora existencial que tem precedência sobre todos os outros aspectos de suas vidas; ambos são afetados por sentimentos de desconexão e alienação; ambos tentam superar a solidão por meio de relacionamentos românticos ou/e familiares, mas no final, os dois acabam sendo vítimas de auto sabotagem. Quanto mais tempo McCauley e Hanna passam estudando o comportamento um do outro, mais eles começam a se olhar com um sentimento de admiração mútua; eles reconhecem que há semelhanças profundas em suas inclinações e situações, mesmo que as estruturas maniqueístas da sociedade em que estejam aprisionados signifique que são forçados a se verem como oponentes. Quando Hanna e McCauley entram em contato um com o outro, os papéis socialmente construídos de “policial” e “criminoso” se desintegram, à medida que os protagonistas construídos por Mann percebem que ambos são arrastados por intempéries cotidianas semelhantes. Ainda, dentro da paisagem urbana desumanizante de Los Angeles azulada de Michael Mann, conexões emocionais genuínas são raras e passageiras.
Então Fogo Contra Fogo termina como deve. Hanna atira contra McCauley na pista do Aeroporto Internacional de Los Angeles, cumprindo sua promessa anterior de que, apesar de tudo, ele não hesitaria em derrubar McCauley se fosse necessário. Enquanto sangra McCauley olha Hanna nos olhos e com um ar de aceitação, sem qualquer traço de raiva, sua vida se esvai.
“Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”.
E é o que temos nessa cena, cada qual é o abismo do outro, e ambos estão se olhando mutualmente, para no fim perceber que, eles são nada mais que reflexos um do outro, não iguais, mas também não tão diferentes, frutos de uma realidade que “fabrica” homens quebrados.
_______________
É isso, se vocês gostaram dessa nova abordagem, comente aí, deem sugestões, logo logo mais textos dessa série de análise de Cena estarão aqui.
E quem sabe, também um textinho especial? Esse filme de Michael Mann me deu uma ideia para um texto só sobre a relação de Michael Mann com a cor azul. :) bom, mas isso é um papo pra depois…Até logo!!!